POLÍTICAS AMBIENTAIS NA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL, RORAIMA – BRASIL: UM ESTUDO DE CASO DO POVO INGARIKÓ NA COMUNIDADE MANALAI, 2003 A 2022
Autogestão, Etnomapeamento, Gestão Territorial, Ingarikó, Políticas Públicas Indígenas.
A presente tese analisa as formas pelas quais o povo Ingarikó, com ênfase na comunidade Manalai, tem se apropriado dos dispositivos da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída pelo Decreto nº 7.747/2012, a fim de fortalecer sua autonomia política e consolidar estratégias próprias de manejo dos recursos naturais. A pesquisa teve como objetivo analisar as estratégias de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelo povo Ingarikó entre 2003 e 2022, à luz das diretrizes da PNGATI, observando como os marcos legais do Estado são reinterpretados e incorporados às lógicas locais de governança. Para tanto, adotou-se uma abordagem qualitativa e interdisciplinar, estruturada como estudo de caso, com base em observação participante em oficinas de etnomapeamento, entrevistas semiestruturadas com lideranças da comunidade Manalai, análise de atas das assembleias do Conselho Indígena do Povo Ingarikó (COPING) e tratamento textual com o auxílio do software IRaMuTeQ. Os resultados demonstram que a PNGATI tem sido apreendida pelos Ingarikó não como um conjunto de diretrizes externas a serem seguidas, mas como um campo político e discursivo que pode ser apropriado, ressignificado e transformado. A atuação do COPING tem sido central nesse processo, coordenando a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), promovendo oficinas de diagnóstico comunitário e articulando iniciativas como o Centro NUTRIR, voltado à segurança alimentar e à valorização das práticas produtivas tradicionais. A reativação do conselho consultivo do Parque Nacional do Monte Roraima, bem como a sistematização das decisões comunitárias nas atas das assembleias, evidencia a densidade política e organizativa das estratégias Ingarikó de autogestão. Apesar desses avanços, a análise crítica do processo revelou uma série de limitações institucionais que dificultam a efetivação plena da PNGATI. A ausência de mecanismos consistentes de consulta prévia, livre e informada, a morosidade nos trâmites de validação de planos de gestão, bem como a fragmentação das ações intergovernamentais, comprometeu a continuidade e a eficácia das políticas indigenistas. Os Ingarikó têm operado os instrumentos da PNGATI como tecnologias políticas de afirmação territorial, inserindo suas cosmologias e racionalidades no campo normativo do Estado. Constata-se, então, que os Ingarikó constroem uma territorialidade ativa e situada, que combina ancestralidade, conhecimento tradicional e articulação normativa. Ao mobilizar a PNGATI como ferramenta de autodeterminação, eles tensionam os limites das categorias jurídicas ocidentais e propõem uma epistemologia indígena da gestão ambiental. A presente tese contribui, assim, para os debates sobre pluralismo jurídico, justiça ambiental e efetividade das políticas públicas, ao demonstrar que a governança indígena não apenas resiste, mas propõe formas outras — e possíveis — de habitar, legislar e cuidar do território.