RIOS, FLORESTAS E PODER: ECOLOGIA POLÍTICA DA PESCA E ETNOCONSERVAÇÃO NA AMAZÔNIA (RORAIMA, BRASIL)
Amazônia Setentrional. Unidades de Conservação. Novo Código Florestal. Política fundiária. Neoextrativismo.
Esta tese investigou as continuidades e transformações nos modos de vida de comunidades
ribeirinhas no Baixo Rio Branco (Roraima, Brasil), centrando-se na vila Lago Grande (RDS
Xeruini, Caracaraí), onde 25 famílias mantêm agroecossistemas integrados à Floresta
Amazônica. Defende-se que a elevada conservação florestal apresentada em Roraima (uma
média de 96% de cobertura mantida em territórios tradicionais e indígenas, que cobrem 67,5%
do Estado) resulta diretamente das cosmologias, costumes e práticas comunitárias, como
manejo sazonal e uso sustentável dos “recursos ambientais”. Paradoxalmente, esse êxito
conservacionista foi instrumentalizado pelo Estado, que, sob a justificativa de compensar o
percentual de áreas protegidas (via flexibilização do Código Florestal brasileiro, Lei nº
12.651/2012, e Lei Estadual nº 1.704/2022), liberou cerca de 1,5 milhão de hectares de florestas
maduras para conversão de uso, fragilizando a proteção ambiental estadual e ampliando a
vulnerabilidade sociocultural desses povos. Partindo de uma abordagem interdisciplinar, a
pesquisa analisou como as comunidades negociam sua existência entre saberes tradicionais,
pressões econômicas (como o turismo de pesca esportiva) e políticas ambientais contraditórias,
destacando sua resiliência em um cenário de conflitos socioambientais. Metodologicamente,
combina etnografia (45 dias de imersão, com observação participante, 24 respondentes e
mapeamento comunitário), análises geoespaciais (com dados do PRODES/INPE e
MapBiomas) e revisão crítica da legislação. Os resultados revelam que o turismo de pesca
esportiva, embora gere renda, altera estoques pesqueiros, desloca práticas tradicionais e
marginaliza as comunidades nos processos decisórios. Leis estaduais como a 1.540/2021 e
2.112/2025 restringiram a pesca artesanal comercial para privilegiar interesses turísticos
centrados na pesca de tucunarés (Cichla spp.), ignorando conhecimentos locais de manejo.
Paralelamente, as comunidades mantêm resiliência por meio da etnoconservação – calendários
sazonais de pesca, coleta e caça, rotação de áreas agrícolas e interditos simbólicos. Contudo,
pressões como garimpo ilegal, expansão agropecuária e a própria flexibilização legislativa
ameaçam esses sistemas, expondo a contradição entre discursos de “desenvolvimento
sustentável” e práticas estatais neoextrativistas. A tese estrutura-se em três artigos: o primeiro
apresenta um breve recorte da organização histórica, social e política de Roraima visando
introduzir e situar o leitor aos trabalhos subsequentes, o segundo discute as tensões entre pesca
esportiva e modos de vida tradicionais, enquanto o terceiro analisa como a legislação ambiental,
ao converter conservação comunitária em “moeda de troca” para liberar o desmatamento,
aprofundou desigualdades estruturdepende do reconhecimento dos saberes tradicionais em políticas públicas, garantindo
participação equitativa das comunidades na gestão territorial. Conclui-se que a
Etnoconservação oferece alternativas viáveis à crise socioecológica, mas exige marcos legais
que confrontem a lógica de mercantilização da natureza e protejam os territórios tradicionais
como pilares da sustentabilidade. A pesquisa contribui para o debate sobre justiça ambiental na
Amazônia, evidenciando que a conservação efetiva não se dissocia da garantia de direitos
coletivos. Ao expor os riscos de instrumentalizar a conservação comunitária para flexibilizar a
destruição em outra zona ecológico-econômica do Estado, reforça a urgência de modelos que
transcendam dicotomias entre “preservação/conservação” e “desenvolvimento”, ancorados na
diversidade socioecológica como horizonte político.