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NARANUBIA LIMA BARROS
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FORMAÇÃO E PRÁTICAS DOCENTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA EM CONTEXTOS TERAPÊUTICOS
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Orientador : ROSANGELA DUARTE
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MEMBROS DA BANCA :
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ANA CLAUDIA PAULA DO CARMO
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CINARA FRANCO RECHICO BARBERENA
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ROSANGELA DUARTE
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Data: 08/11/2021
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Mostrar Resumo
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Essa pesquisa se dispõe a compreender as relações entre a formação inicial do professor de
Educação Física e as dinâmicas de sua atuação que se situam na fronteira entre educação e
saúde, discussão que partirá dos pressupostos que fundamentam a linha de pesquisa Formação
de Professores e Práticas Docentes, que, intrinsecamente nos conduz à problematização da
formação sempre em conjunto com a caracterização e análise da práxis. Assim, o problema que
norteia esta pesquisa é: em que medida a formação do professor de Educação Física capacita
esse profissional para uma atuação em contextos limítrofes entre saúde e educação? O objetivo
é compreender em que medida o professor de Educação Física percebe-se preparado para atuar
na Equoterapia tendo em vista as aprendizagens da formação inicial da licenciatura em
Educação Física e seus métodos para as práticas docentes em contextos que se diferem do
escolar. Para melhor analisarmos formação e prática, as investigaremos a partir de três
perspectivas: a da instituição formadora (IFRR); a do professor formado, em atuação na
Equoterapia; e a das resoluções, leis e demais documentos que regulamentam a formação e a
atuação do professor de Educação Física, configurando assim, uma pesquisa com triangulação
de dados. Nossas análises são oriundas de informações que colhemos: do questionário com os
professores, da entrevista com coordenadora do curso de licenciatura em Educação Física do
IFRR, e da análise documental. Esta pesquisa percorreu caminhos que legitimaram a
importância da experiência e da reflexão como processos de formação. Discutimos se a
Equoterapia faz-se mais numa ação educativa ou de saúde, entendemos, a partir de então, que
o campo da saúde é um tanto mais explorado por esses profissionais, de maneira muito bem
embasada, dada a origem da Educação Física. Quanto à instituição formadora, entendemos que
se fundamenta na ideia de formar profissionais para a escola, muito embora explore
ocasionalmente outros espaços.
Como professora licenciada em Educação Física pelo Instituo Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima – IFRR, especialista em Fisiologia do Exercício para populações especiais pela Faculdade Cathedral, pude percorrer caminhos entre saúde e educação, e essa sempre foi uma questão que permeou a reflexão de minha prática: a que área pertenço? Dos nove semestres por mim cursados, apenas um voltava-se para conhecimentos da área da saúde, algo possivelmente contraditório quando levamos em consideração as leis que regulamentam a profissão. Entretanto, a licenciatura tem suas peculiaridades, um professor, por formação, precisa conhecer ao máximo seu papel na escola, as diretrizes da educação, processos de ensino e de aprendizagem e, nesse sentido, o curso de formação de professores de Educação Física do IFRR foi, particularmente, satisfatório e, por isso, optei pelo Mestrado em Educação. Embora haja Mestrado em Ciências da Saúde na mesma instituição, decidi investigar a Educação Física pelo viés da Educação, mesmo quando ela não acontece na escola.
Em minha formação inicial conheci o vasto campo de atuação do professor de Educação Física, as experiências de estágio nos possibilitaram a prática nos níveis de ensino da educação infantil, ensino fundamental e médio, e nas modalidades de Educação Física para a terceira idade e na Educação Especial. Algumas disciplinas vivenciadas na Casa do Vovô(antiga casa de repouso para idosos mantida pelo governo estadual) e no Centro Estadual de Equoterapia de Roraima – CEEQUO-RR, ampliaram o conhecimento sobre ambientes de atuação que, até então, tratava-se exclusivamente da escola. Em qualquer desses ambientes podia-se fazer a Educação, a ludicidade, o movimento, no entanto, ao lidar com limitações físicas e motoras, era primordial recorrer a mais estudos sobre algumas patologias, síndromes ou deficiências. Já como profissional formada, tive a oportunidade de integrar a equipe do CEEQUO, ambiente já conhecido da época do estágio, mas que agora requeria de mim a responsabilidade de conhecer e atuar com outros profissionais da reabilitação. Como professora, deveria produzir educação na reabilitação? Ou como profissional da Educação Física, deveria promover saúde, na reabilitação? É uma linha tênue, eu poderia usar conteúdos como psicomotricidade, ludicidade, lateralidade ou biomecânica, anatomia, fisiologia. Ainda que não me fosse imputado um conteúdo, havia na equipe discordâncias sobre o papel do professor de Educação Física. Este poderia estar ali por ser o mais capacitado para aulas de equitação e psicomotricidade ou por conhecer parte da fisioterapia e ser mais um profissional para reabilitação física e motora
Essas reflexões no chão da prática, no afã educacional, e terapêutico, são questões que se impõem ao profissional de educação física mais do que a qualquer componente de equipes multifuncionais de atendimento, uma vez que em suas formações já se deixa muito claro que serão profissionais da saúde. Assim, a proposta deste trabalho é examinar tais questões à luz de pressupostos teóricos que evidenciem a Educação na Educação Física, e problematizar a práxis do professor de Educação Física no contexto terapêutico,por meio do conhecimento das atribuições profissionais na equoterapia e a formação desse profissional. Para isso, tomaremos como lócus o Centro Estadual de Equoterapia e as atividades que são desenvolvidas por uma equipe multiprofissional que assiste pessoas com deficiências e transtornos psicológicos a partir do tratamento terapêutico com o cavalo. Portanto, a proposta desse projeto é compreender as relações entre a formação inicial do professor de Educação Física e as dinâmicas de sua atuação que se situam na fronteira entre educação e saúde, entre as práticas pedagógicas e o atendimento terapêutico.
2. PROBLEMA DE PESQUISA
O objeto deste trabalho é a formação docente em Educação Física e sua relação com a práxis em contextos que requerem atuação para além do caráter pedagógico. Assim, será analisada a formação do professor de Educação Físicaque atua no Centro Estadual de Equoterapia de Roraima – CEEQUO-RR, bem como seu trabalho em equipe multiprofissional.
O problema que norteia esta pesquisa é: Em que medida a formação do professor de Educação Física capacita esse profissional para uma atuação em contextos limítrofes entre saúde e educação, entre o fazer pedagógico e o atendimento terapêutico?
3. OBJETIVO GERAL
Compreender em que medida o professor de Educação Física percebe-se preparado para atuar na Equoterapia integrando equipe multiprofissional.
3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Considerar em que medida as aprendizagens da formação inicial da licenciatura em Educação Física alicerçam métodos para as práticas docentes em contextos que se diferem do escolar;
• Descrever como se dá a dinâmica de trabalho do professor de Educação Física inserido em equipe multiprofissional em atendimento a pessoas com deficiências e a pessoas com transtornos psicológicos no contexto da equoterapia, e como a eficácia de suas intervenções são avaliadas;
• Analisar a atuação do professor de Educação Física para comparação entre as competências necessárias ao trabalho equoterapêutico e os saberes por ele aplicado.
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Essa pesquisa se dispõe a compreender as relações entre a formação inicial do professor de
Educação Física e as dinâmicas de sua atuação que se situam na fronteira entre educação e
saúde, discussão que partirá dos pressupostos que fundamentam a linha de pesquisa Formação
de Professores e Práticas Docentes, que, intrinsecamente nos conduz à problematização da
formação sempre em conjunto com a caracterização e análise da práxis. Assim, o problema que
norteia esta pesquisa é: em que medida a formação do professor de Educação Física capacita
esse profissional para uma atuação em contextos limítrofes entre saúde e educação? O objetivo
é compreender em que medida o professor de Educação Física percebe-se preparado para atuar
na Equoterapia tendo em vista as aprendizagens da formação inicial da licenciatura em
Educação Física e seus métodos para as práticas docentes em contextos que se diferem do
escolar. Para melhor analisarmos formação e prática, as investigaremos a partir de três
perspectivas: a da instituição formadora (IFRR); a do professor formado, em atuação na
Equoterapia; e a das resoluções, leis e demais documentos que regulamentam a formação e a
atuação do professor de Educação Física, configurando assim, uma pesquisa com triangulação
de dados. Nossas análises são oriundas de informações que colhemos: do questionário com os
professores, da entrevista com coordenadora do curso de licenciatura em Educação Física do
IFRR, e da análise documental. Esta pesquisa percorreu caminhos que legitimaram a
importância da experiência e da reflexão como processos de formação. Discutimos se a
Equoterapia faz-se mais numa ação educativa ou de saúde, entendemos, a partir de então, que
o campo da saúde é um tanto mais explorado por esses profissionais, de maneira muito bem
embasada, dada a origem da Educação Física. Quanto à instituição formadora, entendemos que
se fundamenta na ideia de formar profissionais para a escola, muito embora explore
ocasionalmente outros espaços.
Como professora licenciada em Educação Física pelo Instituo Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima – IFRR, especialista em Fisiologia do Exercício para populações especiais pela Faculdade Cathedral, pude percorrer caminhos entre saúde e educação, e essa sempre foi uma questão que permeou a reflexão de minha prática: a que área pertenço? Dos nove semestres por mim cursados, apenas um voltava-se para conhecimentos da área da saúde, algo possivelmente contraditório quando levamos em consideração as leis que regulamentam a profissão. Entretanto, a licenciatura tem suas peculiaridades, um professor, por formação, precisa conhecer ao máximo seu papel na escola, as diretrizes da educação, processos de ensino e de aprendizagem e, nesse sentido, o curso de formação de professores de Educação Física do IFRR foi, particularmente, satisfatório e, por isso, optei pelo Mestrado em Educação. Embora haja Mestrado em Ciências da Saúde na mesma instituição, decidi investigar a Educação Física pelo viés da Educação, mesmo quando ela não acontece na escola.
Em minha formação inicial conheci o vasto campo de atuação do professor de Educação Física, as experiências de estágio nos possibilitaram a prática nos níveis de ensino da educação infantil, ensino fundamental e médio, e nas modalidades de Educação Física para a terceira idade e na Educação Especial. Algumas disciplinas vivenciadas na Casa do Vovô(antiga casa de repouso para idosos mantida pelo governo estadual) e no Centro Estadual de Equoterapia de Roraima – CEEQUO-RR, ampliaram o conhecimento sobre ambientes de atuação que, até então, tratava-se exclusivamente da escola. Em qualquer desses ambientes podia-se fazer a Educação, a ludicidade, o movimento, no entanto, ao lidar com limitações físicas e motoras, era primordial recorrer a mais estudos sobre algumas patologias, síndromes ou deficiências. Já como profissional formada, tive a oportunidade de integrar a equipe do CEEQUO, ambiente já conhecido da época do estágio, mas que agora requeria de mim a responsabilidade de conhecer e atuar com outros profissionais da reabilitação. Como professora, deveria produzir educação na reabilitação? Ou como profissional da Educação Física, deveria promover saúde, na reabilitação? É uma linha tênue, eu poderia usar conteúdos como psicomotricidade, ludicidade, lateralidade ou biomecânica, anatomia, fisiologia. Ainda que não me fosse imputado um conteúdo, havia na equipe discordâncias sobre o papel do professor de Educação Física. Este poderia estar ali por ser o mais capacitado para aulas de equitação e psicomotricidade ou por conhecer parte da fisioterapia e ser mais um profissional para reabilitação física e motora
Essas reflexões no chão da prática, no afã educacional, e terapêutico, são questões que se impõem ao profissional de educação física mais do que a qualquer componente de equipes multifuncionais de atendimento, uma vez que em suas formações já se deixa muito claro que serão profissionais da saúde. Assim, a proposta deste trabalho é examinar tais questões à luz de pressupostos teóricos que evidenciem a Educação na Educação Física, e problematizar a práxis do professor de Educação Física no contexto terapêutico,por meio do conhecimento das atribuições profissionais na equoterapia e a formação desse profissional. Para isso, tomaremos como lócus o Centro Estadual de Equoterapia e as atividades que são desenvolvidas por uma equipe multiprofissional que assiste pessoas com deficiências e transtornos psicológicos a partir do tratamento terapêutico com o cavalo. Portanto, a proposta desse projeto é compreender as relações entre a formação inicial do professor de Educação Física e as dinâmicas de sua atuação que se situam na fronteira entre educação e saúde, entre as práticas pedagógicas e o atendimento terapêutico.
2. PROBLEMA DE PESQUISA
O objeto deste trabalho é a formação docente em Educação Física e sua relação com a práxis em contextos que requerem atuação para além do caráter pedagógico. Assim, será analisada a formação do professor de Educação Físicaque atua no Centro Estadual de Equoterapia de Roraima – CEEQUO-RR, bem como seu trabalho em equipe multiprofissional.
O problema que norteia esta pesquisa é: Em que medida a formação do professor de Educação Física capacita esse profissional para uma atuação em contextos limítrofes entre saúde e educação, entre o fazer pedagógico e o atendimento terapêutico?
3. OBJETIVO GERAL
Compreender em que medida o professor de Educação Física percebe-se preparado para atuar na Equoterapia integrando equipe multiprofissional.
3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Considerar em que medida as aprendizagens da formação inicial da licenciatura em Educação Física alicerçam métodos para as práticas docentes em contextos que se diferem do escolar;
• Descrever como se dá a dinâmica de trabalho do professor de Educação Física inserido em equipe multiprofissional em atendimento a pessoas com deficiências e a pessoas com transtornos psicológicos no contexto da equoterapia, e como a eficácia de suas intervenções são avaliadas;
• Analisar a atuação do professor de Educação Física para comparação entre as competências necessárias ao trabalho equoterapêutico e os saberes por ele aplicado.
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DALILA MARQUES LEMOS
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A CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DO CURSO DE BACHARELADO EM ENFERMAGEM DE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA
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Orientador : PEDRO AUGUSTO HERCKS MENIN
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MEMBROS DA BANCA :
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AMERICO ALVES DE LYRA JUNIOR
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LEILA ADRIANA BAPTAGLIN
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PEDRO AUGUSTO HERCKS MENIN
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Data: 23/11/2021
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Esta pesquisa tem como objetivo compreender a constituição da docência de professores do curso de Bacharelado em Enfermagem de uma instituição pública. A docência vem sendo estudada sob diferentes perspectivas interessadas na compreensão do “ser professor” e de todas as interações que dela decorrem.
A busca por respostas a inquietações envolvendo o ensino e o papel da Educação na transformação de uma sociedade, direta ou indiretamente, aborda temas relacionados ao professor. Aliado a isso, sabemos que a profissão docente é uma profissão das interações humanas, ou seja, apresenta oportunidade de estabelecer novas práticas, principalmente entre professor e estudantes, a partir de outras formas de concepção de Educação, mundo e homem.
O presente trabalho integra os estudos sobre formação de professores e práticas educativas, nomeadamente a linha de pesquisa 1 do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Roraima (PPGE/UFRR). Estudos desta natureza têm a intenção de refletir a inter-relação entre o que professores são, como se percebem e se transformam no decorrer da carreira profissional e o que fazem, como direcionam os saberes e experiências no desenvolvimento do ensino proposto aos estudantes em sala de aula.
Com efeito, o ensino é uma atividade complexa, porque humana. É um fenômeno complexo, enquanto prática social realizada por seres humanos com seres humanos, sendo modificado pela ação e relação desses sujeitos que por sua vez são modificados nesse processo (PIMENTA, 2012).
Nesta prática social que é o ensino, a docência não é constituída definitivamente, mas se transforma à medida que o professor reflete sobre sua prática. Ampliam-se, assim, possibilidades de mudança; renovam-se escolhas por caminhos desafiadores que o desestabiliza da rotina; questiona-se sobre o ideal e o que é o real, em um movimento no qual “os saberes profissionais dos professores são temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, e que carregam consigo as marcas do seu objeto, que é o ser humano” (TARDIF, 2014, p. 269).
No que trata do ensino em saúde, Batista e Batista (2004) o definem como um processo multidisciplinar que objetiva a organização de um sistema de relações nas dimensões do conhecimento, de habilidades e de atitudes, de tal modo que se favoreça, ao máximo, o processo ensino e aprendizagem. Os autores trabalham a interface saúde e educação como dois campos complexos e interdisciplinares, na qual, a educação estabelece um estreito contato com as dimensões sociais e biológicas da vida humana. Assim, “saúde [é vista] como um processo crítico-reflexivo de adequação social de vida e educação, como um processo contínuo de construção e reconstrução de conhecimentos que contribuem para transformações subjetivas e intersubjetivas” (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 39).
Para a compreensão da natureza do ensino, deve-se levar em consideração a subjetividade dos atores envolvidos, isto é, a subjetividade dos próprios professores (TARDIF, 2014). Queremos, pois, enfatizar que, além da sala de aula, a docência se enriquece de momentos, memórias, experiências pessoais e coletivas, vivências em determinadas fases da vida, e fatos, vistos sob a ótica do professor como positivos ou negativos que se tornaram marcos na trajetória dos docentes em um movimento que é construído continuamente, dando significado às escolhas por este ou aquele caminho no ato educativo.
Além disso, os saberes dos professores não se resumem ao conhecimento do conteúdo a ser problematizado em sala de aula. Segundo Cunha e Isaia (2006), os saberes docentes são o conjunto de conhecimentos, habilidades, competências e percepções que compõem a capacitação do sujeito para um tipo de atividade profissional, sendo no caso dos professores, a fonte para o entendimento das suas capacidades de ensinar e aprender. Oliveira (2003), citado por Cunha e Isaia (2006), afirma que os saberes docentes são todos os saberes construídos pelos professores nos diferentes espaços de vida e de atuação, muitos deles construídos no próprio tempo/espaço de atuação do professor, incluindo, saberes oriundos da experiência, formação acadêmica, atuação profissional, os saberes curriculares, os saberes disciplinares, entre outros, passíveis de sistematização, produtos das culturas docentes.
Por sua vez, Perrenoud (2002, p. 7) enfatiza que são múltiplos os significados da noção de competência, definida como a “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, [para os quais] deve-se pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos”. Ressalta, contudo, que a competência deve ser apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles.
Desse modo, Cunha e Isaia (2006) referenciando estudos desta última – qual seja, a competência –, entendem que a concepção de docência está relacionada ao interesse em saber como os professores percebem e pensam a docência, envolvendo criação mental e possibilidade de compreensão. Para a autora referenciada, esta concepção comporta dinâmicas em que se articulam processos reflexivos e práticas efetivas em permanente movimento construtivo ao longo da carreira docente, entendendo ainda que a docência surge da vivência dos professores, apresenta componentes explícitos e implícitos e envolve tanto saberes advindos do senso comum, como do conhecimento sistematicamente elaborado e organizado.
Pensando no movimento construtivo ao longo da carreira docente, Tardif (2014) explica que há duas fases nos primeiros anos de carreira, compreendidos nos sete primeiros anos de magistério, a saber: a primeira, denominada fase de exploração acontece nos três primeiros anos de docência, iniciada por meio de tentativas e erros, além de o professor sentir maior necessidade de ser aceito profissionalmente; na segunda fase, conhecida como estabilização e consolidação, cuja duração é de três a sete anos, o professor tem o reconhecimento dos demais membros da instituição; sente-se mais confiante e domina diversos aspectos do trabalho, principalmente os pedagógicos.
Não necessariamente de forma linear, a docência pode ser marcada por fatos e memórias vividos em outras fases da vida dos professores e que hodiernamente lhes impulsionam a permanecer ou a modificar sua prática. Podemos lembrar a questão de professores que marcaram suas vidas, de metodologias que hoje orientam a atividade dos docentes, do surgimento do magistério enquanto escolha inicial de carreira ou oportunidade de trabalho, da contribuição da Pós-Graduação em Programas de Mestrado e Doutorado para a formação docente, até mesmo das inseguranças, desafios e dilemas na fase inicial do magistério e como as perspectivas e os objetivos dos docentes foram mudados com os anos de sala de aula.
Assim, a carreira docente é resultado da trajetória pessoal e profissional dos professores (CUNHA; ISAIA, 2006). Além destas trajetórias, integra a carreira docente a trajetória de formação[1]. Para esclarecer tais conceitos, valemo-nos das ideias reunidas por tais autoras (2006, p. 367), para quem “trajetória são porções de tempo que vão se sucedendo ao longo da vida dos professores, representando a explicitação temporal da mesma, envolvendo um processo vivencial que engloba fases da vida e da profissão”.
Ao pensarmos as trajetórias profissional e de formação como espaços propícios para a constituição da docência, deparamo-nos com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Nº 9.394/1996, cujo artigo 66 afirma que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de Pós-Graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (BRASIL, 1996). Contraditoriamente, teóricos vêm se questionando como tem acontecido o desenvolvimento profissional dos docentes do ensino superior, argumentando em seus estudos que “ser um reconhecido pesquisador, produzindo acréscimos significativos aos quadros teóricos existentes, não é garantia da excelência no desempenho pedagógico” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014, p. 190).
Estabelecemos, neste caso, que os programas de Pós-Graduação abrem o caminho para a necessidade de conhecimentos pedagógicos; no entanto, mostram-se insuficientes na promoção do domínio dos saberes docentes, haja vista ser nos anos iniciais de docência que os professores encontram as maiores dificuldades. Em alguns programas, a formação para a docência resume-se à disciplina Estágio na docência (60 horas) ou similar e, ainda ressalta-se que em programas desenvolvidos em outros campos que não a Educação, os pressupostos pedagógicos, filosóficos e políticos da Educação são mais difíceis de serem abordados.
Com efeito, nota-se que até o ingresso no magistério superior em instituições públicas é baseado na produção científica – concurso público de provas ou de provas e títulos - de candidatos que almejam uma vaga como professor do magistério superior, sendo outrora mais iniciados à pesquisa do que ao ensino. Sobre isso, Malusá, Ferreira e Pedrini (2016), depois de entrevistarem Veiga, escrevem que esta autora também concorda que os programas de Pós-Graduação são voltados para a formação do pesquisador, e assim, “de forma geral, os professores não se preparam para ingressar na profissão, visto que sua formação inicial não foi para o exercício da docência. A formação continuada é responsabilidade da instituição e do próprio docente” (2016, p. 194-195).
Ao questionamento do que seria necessário para a constituição de um docente universitário, observamos que “não há uma exigência própria que anteceda a entrada do professor na instituição. O exercício da docência [universitária] no âmbito de profissionalização requer conhecimentos específicos, pedagógicos e experienciais” (MALUSÁ; FERREIRA; PEDRINI, 2016, p. 198).
Para além disso, podemos pensar o tripé da Universidade, sustentado no ensino-pesquisa-extensão – acrescido da gestão administrativa – tendo desdobramentos em inúmeras necessidades. Estas exigem do professor a curiosidade e a capacidade de adentrar o espaço educativo pensando o ensino como parte de um projeto mais amplo de construção de sociedade. Para Almeida e Pimenta (2014), a universidade é uma instituição educativa cuja finalidade é o permanente exercício da crítica, sustentada no tripé universitário, voltando-se para a produção de conhecimento a partir da problematização dos conhecimentos historicamente produzidos e de seus resultados na construção da sociedade humana e dos novos desafios e demandas que esta coloca.
Nesse sentido, buscando-se conceituar docência universitária, encontramos na Enciclopédia da Pedagogia Universitária a definição de Docência Superior que:
compreende as atividades desenvolvidas pelos professores, orientadas para a preparação de futuros profissionais. Tais atividades são regidas pelo mundo de vida e da profissão, alicerçadas não só em conhecimentos, saberes e fazeres, mas também em relações interpessoais e vivências de cunho afetivo, valorativo e ético, o que indica o fato da atividade docente não se esgotar na dimensão técnica, mas remeter ao que de mais pessoal existe em cada professor. Assim, a docência superior apoia-se na dinâmica da interação de diferentes processos que respaldam o modo como os professores concebem o conhecer, o fazer, o ensinar e o aprender, bem como o significado que dão a eles (CUNHA; ISAIA, 2006, p. 374).
Se para atuar na Educação Básica, a aprendizagem da docência tem parte de sua concretude nos cursos de licenciatura, especificamente em disciplinas relacionadas à prática docente, à didática e às metodologias de ensino, ser professor do magistério superior, diga-se de cursos de bacharelados, como é o caso dos docentes do curso de enfermagem, perpassa o desafio de não ter tido formação para a docência, mas exercer a profissão de bacharel em determinada área específica.
Lima (2006, p. 27) conceitua enfermagem como uma ciência humana, de pessoas e de experiências, voltada ao cuidado dos seres humanos, cujo campo de conhecimento, fundamentações e práticas abrange desde o estado de saúde até os estados de doença e é mediado por transações pessoais, profissionais, científicas, estéticas, éticas e políticas.
No campo da saúde, especificamente da educação em enfermagem, a Educação Superior está alinhada a um terceiro elemento para além da relação professor-aluno, sendo pensado em múltiplas dimensões no início de todo conhecimento a ser estudado: o paciente. Esse terceiro sujeito no processo de ensino e aprendizagem deu novos rumos às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o curso de graduação em enfermagem, propondo como perfil de egresso o enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, qualificado para o exercício de Enfermagem, capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001).
Dito isso, é interessante trazermos o pensamento de Batista e Batista (2004) ao refletir sobre a docência em saúde, os autores afirmam que o exercício profissional nessa área traz, implícita, a materialização de um ato educativo e isso dá ampliação ao significado de docência em saúde, uma vez que “formar-se e formar o outro emergem como práticas sociais permanentes dos diferentes profissionais que transitam no campo da saúde” (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 205-206).
Parafraseando Lima (2006), podemos comparar as práticas de ensino e a constituição da docência à vida sob a perspectiva da enfermagem que consiste em fios que se entrelaçam, se ligam uns aos outros; em nós que se desatam, que se desenlaçam, e que muitas vezes se cortam. Lidar com a vida humana é um assunto sumamente delicado, que requer muito talento, imaginação e esforço. Do mesmo modo, o ensino exige interações constantes entre o professor e os estudantes ao longo de um curso de graduação, a partir das quais ambos se propuseram a percorrer. Assim como o ensino e a docência, a enfermagem convive com o inacabado, com a multifinalidade, com as diferenças, com a ambiguidade, a incerteza porque é uma profissão das relações humanas.
Nesse sentido, a formação não é mais transmissão de conteúdos, mas construção de experiências formativas pela aplicação e estimulação de situações de aprendizagem (PERRENOUD, 2002). Aliadas a isso, as DCNs para o curso de enfermagem asseguram a definição de estratégias pedagógicas que articulem o saber; o saber fazer e o saber conviver, visando desenvolver o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a conhecer que constitui atributos indispensáveis à formação do Enfermeiro (BRASIL, 2001).
Na articulação e desenvolvimento de saberes e aprendizagens, mediante novos desafios e perspectivas no ensino superior em saúde, as metodologias problematizadoras “assumem a construção do conhecimento como traço definidor da apropriação da informação e explicação da realidade [...] e surgem como alternativas ao ensino tradicional, diante das exigências dos profissionais de saúde e da sociedade” (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 154).
Antes de retomar o interesse em saber o que pensam os professores sobre a docência, queremos apresentar a ideia de “nativo e estrangeiro” descrita por Batista e Batista (2004) para ilustrar a condição de professores da área da saúde: são “nativos” no conhecimento específico e são “estrangeiros”, no conhecimento pedagógico. Assim dizem os autores:
Essa imagem de “nativo” apresenta um contraponto: acerca dos conteúdos específicos da docência, relativos aos pressupostos educacionais, psicológicos e filosóficos, esses mesmos professores assumem a condição de “estrangeiros”. O domínio teórico sobre o saber ensinar não é algo que constituiu sua formação, e apenas a experiência como professor e seu saber “no campo da saúde” não bastam para formá-lo docente. Lidar com o ser nativo e, simultaneamente, ser estrangeiro tem exigido desses professores a busca pelo saber que lhes falta. Nessa busca, torna-se necessário familiarizar-se com o que lhes era, até então, estranho. O médico, o enfermeiro, o odontólogo, o nutricionista passam a apropriar-se dos referenciais teóricos da educação – as políticas públicas de educação, o processo ensino-aprendizagem, o planejamento, as práticas avaliativas, as questões curriculares (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 25).
Retomando o interesse em saber o que pensam os professores sobre sua docência, é imprescindível desvelar o olhar reflexivo do professor universitário sobre a construção de sua docência e o sentido dado à prática de ensino no curso de bacharelado em enfermagem.
[1] Trajetória Pessoal: envolve a perspectiva subjetiva do professor quanto ao desenrolar do seu ciclo vital, no qual as marcas da vida e da profissão se interpenetram, mas mantêm sua especificidade própria. Esse percurso pessoal tem com marco significativo a idade adulta. Esta se caracteriza pela possibilidade de mudanças e transformações, o que envolve, simultaneamente, perdas, ganhos, aquisições e novas reorganizações. Assim, no decorrer da vida pessoal, vai-se alterando o modo como os adultos/professores e o mundo transacionam, influenciando-se mutuamente. Trajetória Profissional: [é o] processo que envolve o percurso dos professores em uma ou em várias instituições de ensino nas quais estão ou estiveram atuando. É um processo complexo em que fases da vida e da profissão se entrecruzam, sendo único em muitos aspectos. Nesse processo, as diversas gerações pedagógicas, responsáveis por distintos modos de inteirar-se do mundo pedagógico, gestá-lo ou governá-lo, não se sucedem naturalmente umas às outras, mas entrelaçam-se de diversas formas, representando diferentes maneiras de vivenciá-lo, sendo o mesmo percebido e enfrentado de forma idiossincrática. Trajetória de Formação: [é um] contínuo que vai desde a fase de opção pela profissão, passando pela formação inicial, até os diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola, compreendendo o espaço/tempo em que cada professor continua produzindo sua maneira de ser professor. Percurso construído na inter-relação das dimensões pessoal e profissional, ao longo do qual o professor se reconhece, formando-se e transformando-se em interação com grupos que lhe são significativos, sejam estes formados por colegas, alunos ou demais integrantes da comunidade educativa (CUNHA; ISAIA, 2006, p.367-368).
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Esta pesquisa tem como objetivo compreender a constituição da docência de professores do curso de Bacharelado em Enfermagem de uma instituição pública. A docência vem sendo estudada sob diferentes perspectivas interessadas na compreensão do “ser professor” e de todas as interações que dela decorrem.
A busca por respostas a inquietações envolvendo o ensino e o papel da Educação na transformação de uma sociedade, direta ou indiretamente, aborda temas relacionados ao professor. Aliado a isso, sabemos que a profissão docente é uma profissão das interações humanas, ou seja, apresenta oportunidade de estabelecer novas práticas, principalmente entre professor e estudantes, a partir de outras formas de concepção de Educação, mundo e homem.
O presente trabalho integra os estudos sobre formação de professores e práticas educativas, nomeadamente a linha de pesquisa 1 do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Roraima (PPGE/UFRR). Estudos desta natureza têm a intenção de refletir a inter-relação entre o que professores são, como se percebem e se transformam no decorrer da carreira profissional e o que fazem, como direcionam os saberes e experiências no desenvolvimento do ensino proposto aos estudantes em sala de aula.
Com efeito, o ensino é uma atividade complexa, porque humana. É um fenômeno complexo, enquanto prática social realizada por seres humanos com seres humanos, sendo modificado pela ação e relação desses sujeitos que por sua vez são modificados nesse processo (PIMENTA, 2012).
Nesta prática social que é o ensino, a docência não é constituída definitivamente, mas se transforma à medida que o professor reflete sobre sua prática. Ampliam-se, assim, possibilidades de mudança; renovam-se escolhas por caminhos desafiadores que o desestabiliza da rotina; questiona-se sobre o ideal e o que é o real, em um movimento no qual “os saberes profissionais dos professores são temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, e que carregam consigo as marcas do seu objeto, que é o ser humano” (TARDIF, 2014, p. 269).
No que trata do ensino em saúde, Batista e Batista (2004) o definem como um processo multidisciplinar que objetiva a organização de um sistema de relações nas dimensões do conhecimento, de habilidades e de atitudes, de tal modo que se favoreça, ao máximo, o processo ensino e aprendizagem. Os autores trabalham a interface saúde e educação como dois campos complexos e interdisciplinares, na qual, a educação estabelece um estreito contato com as dimensões sociais e biológicas da vida humana. Assim, “saúde [é vista] como um processo crítico-reflexivo de adequação social de vida e educação, como um processo contínuo de construção e reconstrução de conhecimentos que contribuem para transformações subjetivas e intersubjetivas” (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 39).
Para a compreensão da natureza do ensino, deve-se levar em consideração a subjetividade dos atores envolvidos, isto é, a subjetividade dos próprios professores (TARDIF, 2014). Queremos, pois, enfatizar que, além da sala de aula, a docência se enriquece de momentos, memórias, experiências pessoais e coletivas, vivências em determinadas fases da vida, e fatos, vistos sob a ótica do professor como positivos ou negativos que se tornaram marcos na trajetória dos docentes em um movimento que é construído continuamente, dando significado às escolhas por este ou aquele caminho no ato educativo.
Além disso, os saberes dos professores não se resumem ao conhecimento do conteúdo a ser problematizado em sala de aula. Segundo Cunha e Isaia (2006), os saberes docentes são o conjunto de conhecimentos, habilidades, competências e percepções que compõem a capacitação do sujeito para um tipo de atividade profissional, sendo no caso dos professores, a fonte para o entendimento das suas capacidades de ensinar e aprender. Oliveira (2003), citado por Cunha e Isaia (2006), afirma que os saberes docentes são todos os saberes construídos pelos professores nos diferentes espaços de vida e de atuação, muitos deles construídos no próprio tempo/espaço de atuação do professor, incluindo, saberes oriundos da experiência, formação acadêmica, atuação profissional, os saberes curriculares, os saberes disciplinares, entre outros, passíveis de sistematização, produtos das culturas docentes.
Por sua vez, Perrenoud (2002, p. 7) enfatiza que são múltiplos os significados da noção de competência, definida como a “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, [para os quais] deve-se pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos”. Ressalta, contudo, que a competência deve ser apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles.
Desse modo, Cunha e Isaia (2006) referenciando estudos desta última – qual seja, a competência –, entendem que a concepção de docência está relacionada ao interesse em saber como os professores percebem e pensam a docência, envolvendo criação mental e possibilidade de compreensão. Para a autora referenciada, esta concepção comporta dinâmicas em que se articulam processos reflexivos e práticas efetivas em permanente movimento construtivo ao longo da carreira docente, entendendo ainda que a docência surge da vivência dos professores, apresenta componentes explícitos e implícitos e envolve tanto saberes advindos do senso comum, como do conhecimento sistematicamente elaborado e organizado.
Pensando no movimento construtivo ao longo da carreira docente, Tardif (2014) explica que há duas fases nos primeiros anos de carreira, compreendidos nos sete primeiros anos de magistério, a saber: a primeira, denominada fase de exploração acontece nos três primeiros anos de docência, iniciada por meio de tentativas e erros, além de o professor sentir maior necessidade de ser aceito profissionalmente; na segunda fase, conhecida como estabilização e consolidação, cuja duração é de três a sete anos, o professor tem o reconhecimento dos demais membros da instituição; sente-se mais confiante e domina diversos aspectos do trabalho, principalmente os pedagógicos.
Não necessariamente de forma linear, a docência pode ser marcada por fatos e memórias vividos em outras fases da vida dos professores e que hodiernamente lhes impulsionam a permanecer ou a modificar sua prática. Podemos lembrar a questão de professores que marcaram suas vidas, de metodologias que hoje orientam a atividade dos docentes, do surgimento do magistério enquanto escolha inicial de carreira ou oportunidade de trabalho, da contribuição da Pós-Graduação em Programas de Mestrado e Doutorado para a formação docente, até mesmo das inseguranças, desafios e dilemas na fase inicial do magistério e como as perspectivas e os objetivos dos docentes foram mudados com os anos de sala de aula.
Assim, a carreira docente é resultado da trajetória pessoal e profissional dos professores (CUNHA; ISAIA, 2006). Além destas trajetórias, integra a carreira docente a trajetória de formação[1]. Para esclarecer tais conceitos, valemo-nos das ideias reunidas por tais autoras (2006, p. 367), para quem “trajetória são porções de tempo que vão se sucedendo ao longo da vida dos professores, representando a explicitação temporal da mesma, envolvendo um processo vivencial que engloba fases da vida e da profissão”.
Ao pensarmos as trajetórias profissional e de formação como espaços propícios para a constituição da docência, deparamo-nos com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Nº 9.394/1996, cujo artigo 66 afirma que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de Pós-Graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (BRASIL, 1996). Contraditoriamente, teóricos vêm se questionando como tem acontecido o desenvolvimento profissional dos docentes do ensino superior, argumentando em seus estudos que “ser um reconhecido pesquisador, produzindo acréscimos significativos aos quadros teóricos existentes, não é garantia da excelência no desempenho pedagógico” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014, p. 190).
Estabelecemos, neste caso, que os programas de Pós-Graduação abrem o caminho para a necessidade de conhecimentos pedagógicos; no entanto, mostram-se insuficientes na promoção do domínio dos saberes docentes, haja vista ser nos anos iniciais de docência que os professores encontram as maiores dificuldades. Em alguns programas, a formação para a docência resume-se à disciplina Estágio na docência (60 horas) ou similar e, ainda ressalta-se que em programas desenvolvidos em outros campos que não a Educação, os pressupostos pedagógicos, filosóficos e políticos da Educação são mais difíceis de serem abordados.
Com efeito, nota-se que até o ingresso no magistério superior em instituições públicas é baseado na produção científica – concurso público de provas ou de provas e títulos - de candidatos que almejam uma vaga como professor do magistério superior, sendo outrora mais iniciados à pesquisa do que ao ensino. Sobre isso, Malusá, Ferreira e Pedrini (2016), depois de entrevistarem Veiga, escrevem que esta autora também concorda que os programas de Pós-Graduação são voltados para a formação do pesquisador, e assim, “de forma geral, os professores não se preparam para ingressar na profissão, visto que sua formação inicial não foi para o exercício da docência. A formação continuada é responsabilidade da instituição e do próprio docente” (2016, p. 194-195).
Ao questionamento do que seria necessário para a constituição de um docente universitário, observamos que “não há uma exigência própria que anteceda a entrada do professor na instituição. O exercício da docência [universitária] no âmbito de profissionalização requer conhecimentos específicos, pedagógicos e experienciais” (MALUSÁ; FERREIRA; PEDRINI, 2016, p. 198).
Para além disso, podemos pensar o tripé da Universidade, sustentado no ensino-pesquisa-extensão – acrescido da gestão administrativa – tendo desdobramentos em inúmeras necessidades. Estas exigem do professor a curiosidade e a capacidade de adentrar o espaço educativo pensando o ensino como parte de um projeto mais amplo de construção de sociedade. Para Almeida e Pimenta (2014), a universidade é uma instituição educativa cuja finalidade é o permanente exercício da crítica, sustentada no tripé universitário, voltando-se para a produção de conhecimento a partir da problematização dos conhecimentos historicamente produzidos e de seus resultados na construção da sociedade humana e dos novos desafios e demandas que esta coloca.
Nesse sentido, buscando-se conceituar docência universitária, encontramos na Enciclopédia da Pedagogia Universitária a definição de Docência Superior que:
compreende as atividades desenvolvidas pelos professores, orientadas para a preparação de futuros profissionais. Tais atividades são regidas pelo mundo de vida e da profissão, alicerçadas não só em conhecimentos, saberes e fazeres, mas também em relações interpessoais e vivências de cunho afetivo, valorativo e ético, o que indica o fato da atividade docente não se esgotar na dimensão técnica, mas remeter ao que de mais pessoal existe em cada professor. Assim, a docência superior apoia-se na dinâmica da interação de diferentes processos que respaldam o modo como os professores concebem o conhecer, o fazer, o ensinar e o aprender, bem como o significado que dão a eles (CUNHA; ISAIA, 2006, p. 374).
Se para atuar na Educação Básica, a aprendizagem da docência tem parte de sua concretude nos cursos de licenciatura, especificamente em disciplinas relacionadas à prática docente, à didática e às metodologias de ensino, ser professor do magistério superior, diga-se de cursos de bacharelados, como é o caso dos docentes do curso de enfermagem, perpassa o desafio de não ter tido formação para a docência, mas exercer a profissão de bacharel em determinada área específica.
Lima (2006, p. 27) conceitua enfermagem como uma ciência humana, de pessoas e de experiências, voltada ao cuidado dos seres humanos, cujo campo de conhecimento, fundamentações e práticas abrange desde o estado de saúde até os estados de doença e é mediado por transações pessoais, profissionais, científicas, estéticas, éticas e políticas.
No campo da saúde, especificamente da educação em enfermagem, a Educação Superior está alinhada a um terceiro elemento para além da relação professor-aluno, sendo pensado em múltiplas dimensões no início de todo conhecimento a ser estudado: o paciente. Esse terceiro sujeito no processo de ensino e aprendizagem deu novos rumos às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o curso de graduação em enfermagem, propondo como perfil de egresso o enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, qualificado para o exercício de Enfermagem, capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001).
Dito isso, é interessante trazermos o pensamento de Batista e Batista (2004) ao refletir sobre a docência em saúde, os autores afirmam que o exercício profissional nessa área traz, implícita, a materialização de um ato educativo e isso dá ampliação ao significado de docência em saúde, uma vez que “formar-se e formar o outro emergem como práticas sociais permanentes dos diferentes profissionais que transitam no campo da saúde” (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 205-206).
Parafraseando Lima (2006), podemos comparar as práticas de ensino e a constituição da docência à vida sob a perspectiva da enfermagem que consiste em fios que se entrelaçam, se ligam uns aos outros; em nós que se desatam, que se desenlaçam, e que muitas vezes se cortam. Lidar com a vida humana é um assunto sumamente delicado, que requer muito talento, imaginação e esforço. Do mesmo modo, o ensino exige interações constantes entre o professor e os estudantes ao longo de um curso de graduação, a partir das quais ambos se propuseram a percorrer. Assim como o ensino e a docência, a enfermagem convive com o inacabado, com a multifinalidade, com as diferenças, com a ambiguidade, a incerteza porque é uma profissão das relações humanas.
Nesse sentido, a formação não é mais transmissão de conteúdos, mas construção de experiências formativas pela aplicação e estimulação de situações de aprendizagem (PERRENOUD, 2002). Aliadas a isso, as DCNs para o curso de enfermagem asseguram a definição de estratégias pedagógicas que articulem o saber; o saber fazer e o saber conviver, visando desenvolver o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a conhecer que constitui atributos indispensáveis à formação do Enfermeiro (BRASIL, 2001).
Na articulação e desenvolvimento de saberes e aprendizagens, mediante novos desafios e perspectivas no ensino superior em saúde, as metodologias problematizadoras “assumem a construção do conhecimento como traço definidor da apropriação da informação e explicação da realidade [...] e surgem como alternativas ao ensino tradicional, diante das exigências dos profissionais de saúde e da sociedade” (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 154).
Antes de retomar o interesse em saber o que pensam os professores sobre a docência, queremos apresentar a ideia de “nativo e estrangeiro” descrita por Batista e Batista (2004) para ilustrar a condição de professores da área da saúde: são “nativos” no conhecimento específico e são “estrangeiros”, no conhecimento pedagógico. Assim dizem os autores:
Essa imagem de “nativo” apresenta um contraponto: acerca dos conteúdos específicos da docência, relativos aos pressupostos educacionais, psicológicos e filosóficos, esses mesmos professores assumem a condição de “estrangeiros”. O domínio teórico sobre o saber ensinar não é algo que constituiu sua formação, e apenas a experiência como professor e seu saber “no campo da saúde” não bastam para formá-lo docente. Lidar com o ser nativo e, simultaneamente, ser estrangeiro tem exigido desses professores a busca pelo saber que lhes falta. Nessa busca, torna-se necessário familiarizar-se com o que lhes era, até então, estranho. O médico, o enfermeiro, o odontólogo, o nutricionista passam a apropriar-se dos referenciais teóricos da educação – as políticas públicas de educação, o processo ensino-aprendizagem, o planejamento, as práticas avaliativas, as questões curriculares (BATISTA; BATISTA, 2004, p. 25).
Retomando o interesse em saber o que pensam os professores sobre sua docência, é imprescindível desvelar o olhar reflexivo do professor universitário sobre a construção de sua docência e o sentido dado à prática de ensino no curso de bacharelado em enfermagem.
[1] Trajetória Pessoal: envolve a perspectiva subjetiva do professor quanto ao desenrolar do seu ciclo vital, no qual as marcas da vida e da profissão se interpenetram, mas mantêm sua especificidade própria. Esse percurso pessoal tem com marco significativo a idade adulta. Esta se caracteriza pela possibilidade de mudanças e transformações, o que envolve, simultaneamente, perdas, ganhos, aquisições e novas reorganizações. Assim, no decorrer da vida pessoal, vai-se alterando o modo como os adultos/professores e o mundo transacionam, influenciando-se mutuamente. Trajetória Profissional: [é o] processo que envolve o percurso dos professores em uma ou em várias instituições de ensino nas quais estão ou estiveram atuando. É um processo complexo em que fases da vida e da profissão se entrecruzam, sendo único em muitos aspectos. Nesse processo, as diversas gerações pedagógicas, responsáveis por distintos modos de inteirar-se do mundo pedagógico, gestá-lo ou governá-lo, não se sucedem naturalmente umas às outras, mas entrelaçam-se de diversas formas, representando diferentes maneiras de vivenciá-lo, sendo o mesmo percebido e enfrentado de forma idiossincrática. Trajetória de Formação: [é um] contínuo que vai desde a fase de opção pela profissão, passando pela formação inicial, até os diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola, compreendendo o espaço/tempo em que cada professor continua produzindo sua maneira de ser professor. Percurso construído na inter-relação das dimensões pessoal e profissional, ao longo do qual o professor se reconhece, formando-se e transformando-se em interação com grupos que lhe são significativos, sejam estes formados por colegas, alunos ou demais integrantes da comunidade educativa (CUNHA; ISAIA, 2006, p.367-368).
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