MIGRAÇÃO VENEZUELANA E ATENÇÃO À SAÚDE MATERNO-INFANTIL: UMA ANÁLISE DAS NOTIFICAÇÕES DE SÍFILIS CONGÊNITA, EM UMA MATERNIDADE DO ESTADO DE RORAIMA, NOS BIÊNIOS 2017/2018 E 2020/2021
Saúde materno-infantil. Sífilis congênita. Migração e saúde. Vigilância epidemiológica.
A sífilis congênita (SC) é uma infecção resultante da transmissão transplacentária da bactéria Treponema pallidum, passada da gestante sifilítica (não tratada ou inadequadamente tratada) para o feto. Nos anos de 2017 e 2018, o Estado de Roraima, experimentou o aumento mais expressivo nas taxas de incidência da doença entre todas as unidades federativas. Esses dados apontados para o Estado podem ser relacionados com um fator socioeconômico de enorme relevância: o incremento demográfico causado pela intensa migração venezuelana em Roraima, a partir de 2017. Um dos problemas percebidos foi que muitas gestantes venezuelanas que atravessaram a fronteira não tiveram acesso ao pré-natal ou tratamento adequado para a sífilis no seu país de origem, havendo registros de diagnósticos tardios da doença no Hospital Materno-Infantil Nossa Senhora de Nazareth (HMINSN). Nesse contexto, este trabalho teve como objetivo analisar a relação entre o aumento do registro de casos de sífilis congênita em Roraima – mais especificamente, no HMINSN –, com o agravamento da crise migratória venezuelana. Trata-se de uma pesquisa de base documental, descritiva, abrangendo o período de dois biênios 2017/2018 e 2020/2021, desenvolvida a partir de dados coletados nas cópias das fichas de notificação/investigação de sífilis congênita do HMINSN. Encontrou-se registros de 459 casos de notificação/investigação de SC, dos quais 84,75% foram de recém-nascidos, aborto ou natimorto de genitora brasileira, 14,81% de genitora venezuelana e 0,44% de genitora guianense. Quanto ao perfil sociodemográfico materno, a faixa etária predominante foi a de mulheres com idade entre 20 a 39 anos, cor parda e com o nível médio completo. Foi observado que a não realização de pré-natal entre venezuelanas foi de 41,18%, e para as mulheres locais esse percentual foi de 17,22%. Identificou-se que entre mulheres brasileiras, 68,38% foram diagnosticadas no pré-natal e 22,11% no momento do parto/curetagem, já entre as venezuelanas 55,88% receberam o diagnostico no pré-natal e um percentual maior, se comparado ao das mulheres brasileiras, foram diagnosticadas apenas no parto/curetagem 35,29%. No que diz respeito às crianças, foi observado que 77,12% destas obtiveram resultado reagente para o teste não treponêmico no sangue periférico, 4,79% tiveram resultado não reagente e 10,89% não realizaram o exame. No que se refere aos casos que evoluíram para desfecho desfavorável, observou-se que o ano com a maior proporção desse tipo de desfecho foi 2018, com 30,52% de todas os casos de notificação/investigação de SC registrados naquele ano. Dentre eles, 16,84% tratavam-se de aborto, 5,26% de natimortos e 4,21% com anotação de óbito em campo não específico de mulheres brasileiras. Apenas 3,16% e 1,05% dos casos de aborto e natimorto, respectivamente, foram relativos a genitoras venezuelanas. É possível, a partir da avaliação dos dados da pesquisa, concluir que houve, sim, uma sobrecarga nos serviços públicos de saúde de Roraima, inclusive materno-infantis, causada pela intensa imigração venezuelana. Entretanto, quanto à hipótese que a pesquisa se propôs a enfrentar, é possível afirmar que a migração venezuelana não pode ser considerada o fator determinante para o aumento de casos de sífilis congênita no HMINSN e que outros fatores merecem ser avaliados.